2/11/2004

ASSIM VAI A VERDE NAÇÃO VI

Água não vai

Em Novembro de 1998, depois de longos anos de negociação, Portugal assinou com Espanha um convénio para regular a gestão dos rios ibéricos. Desde logo ficou claro que o nosso Governo preferiu um mau acordo em vez da ausência de acordo. Na altura soube-se que Espanha não tinha quaisquer compromissos em situações de seca (afinal, de nada serve um convénio em anos de pluviosidade abundante), apenas estava garantido um caudal médio diário mínimo para o Guadiana (uns míseros 2 m3/s; neste preciso momento está a passar na estação de Monte da Vinha, junto a Elvas, um caudal de 63,9 m3/s que corresponde a uma profundidade de apenas 86 centímetros) e nada havia em relação a volumes mensais, podendo Espanha cumprir os seus deveres em poucos meses e secando durante o resto do ano.

Apesar disso, Portugal tinha a possibilidade de renegociar o convénio através de uma comissão mista. Mais de quatro anos depois, nada foi feito. E neste interregno Espanha foi usando e abusando da sua situação dominante, de país a montante.

Desde 2000, ano da entrada em vigor do convénio dos rios internacionais, Espanha tem estado sistematicamente a cortar o fluxo de água nos rios Tejo e Guadiana junto à fronteira portuguesa, por vezes durante vários meses. E estas situações nem sequer têm sido exclusivas dos períodos de Verão. De acordo com os boletins hidrológicos semanais consultáveis na página da Internet do Ministério do Ambiente espanhol (ver aqui, embora seja necessário ver semana a semana), a estação de Alcântara, no rio Tejo, teve já 37 registos de caudal nulo, enquanto a estação de Badajoz, no Guadiana, apresentou 26 registos sem qualquer escoamento de água. Estas denúncias foram, por mim feitas, através de notícias no Diário de Notícias de 26 e 27 de Janeiro último.

Entretanto, soube também que as falhas do sistema de monitorização do Instituto da Água (ver aqui) são constantes. Apesar de ser um sistema em contínuo e em tempo real, as lacunas de informação são mais que muitas.

Para completar o ramalhete, verifiquei também que, segundo os registos do Instituto da Água (ver aqui), os próprios rios portugueses, geridos por Portugal, não estão livres de ficar a seco por alegada ausência de descargas das barragens hidroeléctricas. A situação de ausência de caudais é particularmente grave nas bacias dos rios Lima, Cávado, Mondego e Tejo, ocorrendo sobretudo nos meses de Verão, mas também no Inverno. De acordo com os dados históricos dos caudais turbinados e descarregados em 27 barragens portuguesas, desde Julho de 2002 até 3 de Fevereiro deste ano, apenas os aproveitamentos da Agueira e da Raiva, ambos no Mondego, não secaram os troços a jusante em nenhum dia. Mesmo no rio Douro, onde as barragens são em cascata a fio de água – ou seja, com baixa capacidade de encaixe de caudais e se verifica uma sucessão de albufeira – verificaram-se alguns dias sem caudal lançado para jusante, embora nunca mais de 15 dias.
De resto, a generalidade dos aproveitamos hidráulicos registam dezenas de dias sem caudal descarregado e turbinado, cinco dos quais em mais de uma centena de dias: Alto Lindoso (107 dias), Alto Rabagão (135), Vilarinho das Furnas (158), Vilar-Tabuaço (175 dias), Caldeirão (242) e Fronhas (442).

Perante isto, a reacção do Instituto da Água foi diversa. Nas primeiras notícias reagiu com uma carta exigindo "direito de resposta" - situação ingrata para um jornalista, porque apesar de ouvir previamente e escrever a posição da parte em causa, não pode fazer qualquer comentário -, onde apresentam dados que não são corroborados pela própria informação por si disponibilizada ao público.

Na segunda questão - a ausência de caudais a jusante dos nossos aproveitamentos hidráulicos - quedaram-se por um comprometedor silêncio, apesar dos pedidos de esclarecimento terem sido feitos com quase uma semana de antecedência à saída da notícia do Diário de Notícias.

No meio disto tudo, não desejo acreditar que os dados do Instituto da Água - que revelam que a EDP não faz descargas de caudal em longos períodos - estejam 100% correctos. Se assim fosse, a situação seria terceiro-mundista. Mas se estão incorrectos não faz sentido - é mesmo surrealista - apresentar um sistema de monitorização que teoricamente é muito bom - venceu o Prémio Descartes 1997 do Instituto de informática - mas que na prática não funciona. Penso que a realidade estará no meio termo: o sistema não funciona, mas haverá mesmo alguns períodos - não tantos, é certo, como a monitorização do Instituito da Água indica -, o que convenhamos será mau a dobrar.

A Bela...

Já aqui referi (ver À Margem Ambiental XI) o fantástico trabalho do Serviço de Protecção da Natureza e do Ambiente (SEPNA) da GNR. Merecem o destaque semanal. É, sem dúvida, a face mais simpática da convencional GNR.


... e o Monstro

O Instituto da Água foi lesto a tentar desmentir uma notícia que fiz sobre a ausência de caudal nos rios internacionais à entrada de Portugal. Em apenas um dia escreveu uma longa carta de seis páginas. Em causa estavam dados que usei do Ministério do Ambiente de Espanha através dos boletins hidrológicos semanais, que aliás são um exemplo daquilo que em Portugal se deveria fazer e não se faz. Depois o mesmo Instituto da Água calou-se quando se pediu explicações sobre dados do seu próprio sistema de monitorização.


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