Farpas Verdes XV
Por norma, detesto criticar, publicamente, jornalistas. Mas hoje abro uma excepção após ter lido uma avaliação do género "sobe e desce" no Local Porto do Público deste sábado. O jornalista Nuno Corvacho (que assina essa rubrica com as siiglas N.C.) elogia Ricardo Figueiredo, vereador de urbanismo do Porto, por se ter mostrado "sensível aos argumentos daqueles que criticavam o baixo índice de construção previsto no Plano Director Municipal do Porto por ser demasiado restritivo face ao objectivo de desenvolver a cidade". Acrescenta o jornalista que "o vereador admite agora aumentar esse valor, afirmando, bem ao arrepio da moda dominante na actual maioria camarária, que a cidade tem ainda alguma 'margem de crescimento'" E conclui que "de facto, seria lamentável que, em nome da prioridade à requalificação da Baixa, se deitasse fora o bebé juntamente com a água do banho, isto é, repelindo os investidores e contribuindo ainda mais para o crescimento das periferias. Se o erro é já de si criticável, muito pior é persistir nele. E, neste caso, Ricardo Figueiredo soube emendar a mão".
Acredito que o jornalista do Público conhecerá melhor do que eu a realidade do Porto, embora em termos de dinâmica demográfica e urbana não é distinta daquela que ocorre em Lisboa. Mas provavelmente Nuno Corvacho conhece a realidade desvirtuada e não quererá reconhecer (ou não saberá) que não há qualquer ligação entre índices de construção e dinâmica demográfica, nem tão pouco entre preço da habitação e índices de construção (a menos que se queira baixar os preços das casas por via da massificação e, portanto, da desqualificação urbana).
O Porto tinha em 2001 mais cerca de 13 mil fogos do que em 1991. E durante esse período viu reduzir-se a população em 40 mil habitantes, o que dá uma redução de quase 15% em apenas uma década. Por outro lado, a Cidade Invicta é um dos concelhos do país com maior taxa de urbanização em função do seu território (dá para reparar pela reduzida área de espaços verdes).
Esta cidade é também, a par com Lisboa, uma das que possui maior taxa de degradação dos seus edifícios. De acordo com os dados dos Censos 2001 do INE, somente 36% dos edifícios residenciais do Porto estão em bom estado de conservação, tendo ficado inventariados 3646 edifícios que, apesar se se encontrarem em ruína iminente, continuavam nesse ano a ser habitados. Porto era, com Lisboa e Amadora, os únicos concelhos da Grande Lisboa e Grande Porto que tinham, em 2001, mais de metade dos seus edifícios residenciais a necessitar de obras. Além disso, no Porto, os edifícios com mais de 80 anos que precisam de "grandes ou muito grandes obras" atinge os 42%
A evolução negativa em termos demográficos da cidade do Porto não se deveu à escassez de habitação nem aos índices de construção (que até são elevados); existem outros factores estruturais para que tal situação tenha ocorrido. A especulação e a degradação do parque habitacional aparecem à cabeça. E, por isso, não vai ser por construir mais habitações (novas e sempre a preços elevados) e por aumentar os índices que se captará população, muito pelo contrário. Tão-pouco edificar mais prédios novos no Porto estancará a construção nas periferias, pelo simples facto de um loteador de uma zona periférica ficará indiferente aos índices que existem, ou deixam de existir, dentro do Porto.
Uma cidade não se desenvolve construindo mais e mais alto. Desenvolve-se criando condições para a reabilitação do seu parque habitacional. Desenvolve-se criando condições para inverter a sangria populacional, sobretudo da população jovem. Desenvolve-se pela qualidade, nunca pela quantidade. Por tudo isto, fazer um elogio público - ainda mais num jornal de referência como o Público - a um autarca que recua numa proposta que visava o alívio da massificação urbanado Porto não é apenas grave; é um mau serviço público de um jornalista. Nuno Corvacho participou, espero que involuntariamente, no jogo dos especuladores. E é pena.
2/01/2004
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