2/28/2004

Sondagem II (e outros acrescentos)

A memória é uma vantagem da idade, embora ainda me considere novo. Nos meus arquivos jornalísticos, fui desenterrar uma reportagem que publiquei na extinta Forum Ambiente em Setembro de 1996 em que analisava o passado do Parque Florestal de Monsanto (PFM) e os riscos que sobre ele pendiam. Para quem não sabe, Monsanto foi um antigo refúgio remoto de cultos pré-históricos - o mon sacer ou montanha sagrada.

Até meados dos anos 40, Monsanto era uma zona quase completamente desarborizada, onde se cultivava trigo e se praticava o pastoreio. Durante o Estado Novo, com Duarte Pacheco, aquela área foi expropriada e apropriada sem contemplações, obrigando mesmo à "deportação" dos seus habitantes locais para o Bairro da Boavista. Através de um projecto de Keil do Amaral, aquela área de 900 hectares foi sujeita a um intenso plano de florestação.

Durante as décadas seguintes, aquele "pulmão de Lisboa" viria a ser ocupada por infra-estruturas rodoviárias, militares, judiciais e de telecomunicações. Mais tarde surgiram áreas urbanizáveis, nascendo a partir daí os actuais bairros do Caramão de Ajuda e da Boavista, além da ampliação do de Caselas. Nos anos 70, graças à intervenção de Ribeiro Telles evitou-se um novo assalto a Monsanto. Estava então previstas a construção de diversas escolas, das instalações da RTP, RDP e Força Aérea, de serviços prisionais. Mesmo assim, foi construído um bairro para os funcionários do Ministério da Justiça em São Domingos de Benfica, as instalações do CIF no Restelo e ampliaram-se ainda mais os bairros da Boavista e da Serafina, bem como se edificou a bem visível torre da Portugal Telecom.

Nos tempos de Kruz Abecassis à frente da autarquia, nos anos 80, nova machadada foi dada a Monsanto, a maior das quais a desanexação de 56 hectares para a Universidade Técnica de Lisboa. Mais tarde este mesmo para ser implantado um mega-projecto para a construção de uma autêntica "cidade-judiciária", com a transferência dos tribunais criminais, correcionais, de execução de penas e de polícia, alguns juízos cíveis e o Departamento de Investigação e Acção Penal. E, claro, restaurante, snack-bar, serviços médicos, etc.. Isso não avançaria, mas a CRIL deu "comeu" mais um bocado a Monsanto. Foi, entretanto, implantado um campo de tiro, paredes-meias com o Centro de Interpretação - um surrealismo típico de Portugal.

Nos tempos de João Soares à frente da autarquia de Lisboa, embora houvesse algumas tentativas para "ratar" Monsanto, esses receios não se concretizaram. Veio agora Pedro Santana Lopes fazer nova investida. Forte e feia. Apenas nos últimos meses foram apresentados projectos para a transferência da Feira Popular e do hipódromo do Campo Grande. E receio ser apenas o início da procissão.

Os resultados da sondagem que fiz aqui no Estrago da Nação não me surpreendem. Dos 34 votos à questão "Concorda com as actuais propostas de ocupação do Parque Florestal de Monsanto?", as respostas foram as seguintes:

Não, discordo de qualquer tipo de ocupação - 17 votos (50,0%)
Não, embora admita outros projectos de ocupação mais leves - 13 votos (38,2%)
Sim, com todas (hipódromo e Feira Popular) - 2 votos (5,9%)
Sim, mas apenas para o hipódromo - 2 votos (5,9%)
Sim, mas apenas para a Feira Popular 0 votos (0,0%)
Sim, até acho que se poderia urbanizar - 0 votos (0,0%)

Ou seja, metade dos votantes não aceita que se mexa em Monsanto e 88,2% discorda das propostas actuais de Santana Lopes. Sei que o reduzido número de votantes - ainda mais sendo pessoas que, em princípio, são sensíveis às questões ambientais - não é representativo da posição da população de Lisboa. Mas, em todo este processo, não tenho dúvidas que há um intolerável autismo da Câmara Municipal de Lisboa. O Parque Florestal de Monsanto tem mais de meio século. Não é pertença da Câmara Muncipal, muito menos de Santana Lopes, nem da população de Lisboa. Apenas se encontra emprestada a esta geração para que a possamos transmitir à próxima. E é, por isso, que devemos ser contra qualquer inversão no destino desta área, sobretudo nos tempos que correm.

Aproveito para deixar aqui o lead da minha reportagem de Setembro de 1996 com uma fotografia da época em que se iniciou a florestação. Não deixemos que o esforço daqueles homens se torne inglório face à cobiça de alguns.



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