2/21/2004

ASSIM VAI A VERDE NAÇÃO VII

Ventos trocados

Nas últimas semanas muito se tem discutido a necessidade de acelerar as autorizações para a implantação de parques eólicos em Portugal. O próprio Presidente da República, através da sua visita ao Parque Natural de Aire e Candeeiros, surgiu na primeira linha das críticas ao atraso do país em relação à aposta nas energias renováveis, tendo em conta a necessidade de cumprir as metas da União Europeia para 2010. Nesse ano, os Estados-membro terão de produzir 39% da sua electricidade com recurso a energias renováveis,

Antes de analisar esta questão, vejamos como temos andado ao nível da produção de electricidade e de produção por via das energias renováveis. De acordo com os dados da Rede Eléctrica Nacional, a componente da hidroelectricidade (barragens da EDP e do sistema eléctrico não vinculado) representou 26,2% do total nos últimos cinco anos, com variações entre 33,7%, em 2003 (ano mais húmidos no quinquénio), e 17,5%, em 2002 (ano mais seco).

A energia eólica teve um crescimento "impressionante" no último quinquénio, passando de uma produção de 108 GWh em 1999 para 466 GWh em 2003. Ou seja, mais que quadruplicou nos últimos cinco anos. As aspas são colocadas porque, na verdade, a energia eólica continua a ter um peso insignificante, tendo sido de 1,1% em 2003 quando então os parques eólicos existentes representavam 300 MW de potência instalada. Estão, actualmente, em construção ou adjudicados, mais 27 parques contabilizando uma potência de 460 MW. Significa isso que, quanto muito, após a construção destes novos parques, a energia eólica poderá, em ano chuvoso, representar cerca de 2,8%.

Passando da análise da oferta, vejamos como evoluiu a procura. Pois é, aqui a porca torce o rabo. Entre 1999 e 2003, a produção de electricidade registou um impressionante (aqui sem aspas) aumento de 20,3%. Com excepção da evolução entre 2001 e 2002 (que registou um incremente de apenas 1,6%), todos os anos registaram crescimentos nos consumos entre 5,5% e 6,0%. Note-se que no ano passado - em que a economia portuguesa teve uma recessão no produto interno bruto -, consumiu-se mais 5,9% de electricidade que em 2002.

Esta é, aliás, a principal razão para que estejamos a afastar-nos das metas da União Europeia. Faça-se o seguinte exercício: pegue-se na energia renovável (hídrica e eólica) produzida em 2003 e divida-se pelo consumo total de electricidade em 1999. Verificamos então que, se Portugal tivesse estagnado o seu consumo de electricidade, as energias renováveis teriam representado 45,1% do total. Mas, sendo realistas, consideremos que o consumo de electricidade entre 1999 e 2003 tinha acompanhado a evolução do produto interno bruto naquele período, que foi de apenas 4,8%. Dessa forma, as energias renováveis em 2003 teriam representado 43,1%.

Esta análise permite mostrar que o grande problema da energia não está na falta de aproveitamento das renováveis; está sobretudo no desperdício.

Vamos então agora à questão dos parques eólicos. Como se tem visto, as ditas energias renováveis não estão isentas de impactes ambientais. Basta verificar os efeitos negativos das barragens e das mini-hídricas. No caso dos parques eólicos, para mim, os maiores impactes são até mais paisagísticos do que ecológicos. Caso haja uma construção com um mínimo de bom senso e regras - não abrir estradas pelas serras adentro e não os colocar em rotas de migração de aves -, os parques eólicos apenas têm um impacte visual negativo. E apenas em áreas que queiramos preservar em termos estéticos e de afastamento da presença humana. Estão, neste lote, as áreas protegidas, incluindo os sítios da Rede Natura.

Ora, é neste caso que me oponho, sem contemplações, à construção de parques eólicos em áreas protegidas. Enquanto o potencial de aproveitamento de ventos não estiver esgotado nas outras zonas, não existem razões plausíveis para invadir estas zonas. O Governo em vez de colocar a meta de instalar 3.750 MW de parques eólicos até 2010 – que a fazer-se obrigaria a espetar muitos deles em áreas protegidas –, deveria multiplicar-se em esforços de contenção dos consumos. Não apenas a melhorar a eficiência energéticas, mas a apostar em soluções individuais, nomeadamente no maior apoio à instalação de colectores solares em casas e mesmo de pequenos aerogeradores individuais (vejam, por exemplo, aqui o que está a ser preparado no Brasil).

Por vezes é preciso ver o outro lado quando constatamos tanta pressão junto do Governo em relação às energias renováveis. É preciso ver que a actual “febre dos parques eólicos” tem também um lado economicista. Actualmente, dado as tarifas verdes serem bastante apetecíveis, construir um parque eólico é bastante lucrativo. Mas se não existirem limitações, se não se apostar fortemente na eficiência energética e na contenção dos consumos, então no futuro continuaremos a aumentar as emissões de dióxido de carbono no sector eléctrico, mesmo que consigamos atingir a meta dos 39% de energias renováveis. E ficaremos com as áreas protegidas esteticamente pobres. Seria um paradoxo.

Não haja dúvidas que o potencial das energias pode e deve aumentar muito mais. Mas também muito mais importante é que o crescimento dos consumos de electricidade seja, pelo menos, idêntico ao aumento do produto interno bruto. O ideal seria mesmo que fosse inferior, como tem acontecido na generalidade dos países desenvolvidos que apresentam crescimentos do produto interno bruto superiores aos aumentos de consumo eléctrico. Isso em Portugal não está a acontecer, longe disso. Por isso, seria bom recentrar toda esta discussão neste aspecto crucial, quer para a economia do país quer para o ambiente.


A Bela...

Pacheco Pereira e Miguel Sousa Tavares escreveram, esta semana, textos divinais sobre a ambição de Pedro Santana Lopes e a sua ausência de ideias para o país e para Lisboa (neste caso, o problema, digo, eu, é ter ideias) - e do absurdo que seria tê-lo sequer como candidato a Presidente da República. Não são por questões ambientais que os elejo nesta secção, mas está tudo ligado. Nem imaginem o que seria do Ambiente e do Urbanismo do país se tivessemos um Presidente da República como Santana Lopes.

... e o Monstro

Neste sábado, o jornal Expresso divulga que até 2007 o Ministério da Educação vai fechar 2194 escolas primárias que estão a funcionar com menos de 11 alunos e que, no presente ano lectivo, 68 escolas já apenas têm um estudante. Quase a totalidade destas escolas localizam-se em concelhos com graves perdas demográficas e com um progressivo envelhecimento populacional. Este é o resultado das políticas socio-económicas dos sucessivos Governos de Portugal. As escolas fecham, as crianças que restam acabam por ter de fazer quilómetros sem fim até às escolas que ainda restam, as suas famílias aumentam os encargos e transtornos. Viver hoje no interior é cada vez mais difícil. A vontade de vir para o litoral cada vez maior. E no caso das escolas do litoral, ou estão a abarrotar ou constroem-se mais, gastando mais. Eis o resultado das políticas de desenvolvimento do país.

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